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Micropolítica dos problemas (Parte 2), por Robert M. Emerson e Sheldon L. Messinger

problem-solving-keybase-training-solutions-1100x500Fonte: http://keybasetraining.co.za/problem-solving-and-decision-making/

Por Robert M. Emerson e Sheldon L. Messinger
Tradução: Diogo Silva Corrêa e Lucas Faial Soneghet

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Reclamações e intervenção da terceira parte

Enquanto remediações intrínsecas falham e uma acomodação não pode ser prevista, partes externas podem ser trazidas para dentro do problema de maneira central e ativa. É possível que outsiders estivessem presentes num problema relacional desde seu início; o marido da esposa galanteadora, por exemplo, pode falar com sua mãe, irmã ou melhor amigo a respeito do comportamento de sua parceira, porque este ocorre e como reagir. E seu entendimento do que o problema é e de como lidar com ele pode ser moldado pelas visões e análises providas por estas terceiras partes. Mas, enquanto estas partes externas funcionem somente em papeis de apoio e conselho, o problema permanece sendo essencialmente privado. Particularmente, o esforço de fazer algo ainda vem somente daqueles que são parte do problema originalmente. Entretanto, quando uma parte externa passa a intervir ativamente, em vez de aconselhar somente, a estrutura do problema passa por mudanças significativas.

A linha entre aconselhar e intervir diretamente é borrada em muitas instâncias. Há pressões fortes para que conselheiros se tornem participantes diretos. Amigos, conselheiros e terapeutas de uma das partes podem decidir se envolver diretamente no problema, como, por exemplo, conversando com um marido aparte de sua esposa para apontar o quanto ela está irritada com seu hábito de beber. Envolvimento crítico (no sentido de crucial ou grave) ocorre quando uma terceira parte intervém diretamente e estabelece um relacionamento com os partícipes do problema, que, a partir daí, deixam de lidar exclusivamente um com o outro. Dado esta inclusão da terceira parte, as remediações deixam de ser intrínsecas e passam a ser extrínsecas a relação problemática.

Com o pedido pela intervenção da terceira parte, os papeis a seguir (ver Goffman a respeito de “papeis de agente”, 1961:136) se tornam diferenciados no processo remediador: primeiro, há um reclamante[1] (complainant) anunciando a presença do problema e procurando ação remediadora. O papel do reclamante pode ser distinto do papel da vítima, a pessoa que foi ferida, danificada ou injustiçada. Depois, há o agente remediador ou o solucionador[2] para quem o problema é levado em busca de remediação. Finalmente, um partícipe do problema pode vir a ser designado como o criador do problema[3] responsável[4].

Em termos mais gerais, a decisão de procurar intervenção externa e o tipo de intervenção desejada parecem estar ligados intrincadamente com tentativas anteriores de lidar com o problema – evitando, isolando ou remediando. Fatores como os tipos de controles e remediações disponíveis numa situação social em particular, a disponibilidade e limitação destes no momento do uso, a presença e força de laços com partícipes externos e possíveis “solucionadores”, e o grau de legitimidade conferido a cada envolvimento externo potencial na situação problema, todos moldam não somente a natureza dos esforços iniciais para reagir ao problema dentro do relacionamento, mas também a ocasião e natureza da intervenção externa.

Esforços para obter intervenção externa tendem a passar por vários estágios. Primeiro, aqueles que foram convidados inicialmente para discutir soluções, tipicamente são amigos próximos ou parentes de pelo menos uma das partes envolvidas. O envolvimento de solucionadores tão íntimos se apoia exatamente em seus relacionamentos pessoais com uma ou todas as partes do problema. Se por um lado solucionadores pessoais possam ser capazes de remediar o problema, sua intimidade pode também se tornar um impedimento. Por exemplo, o legado de seus encontros anteriores com uma das partes pode desde o início impossibilitar uma solução mutualmente aceitável, uma vez que o solucionador já se encontra identificado enquanto aliado de uma das partes.

Em segundo lugar, problemas podem evoluir com o movimento incremental em direção a solucionadores oficiais e licenciados. Em alguns casos, tal envolvimento pode ocorrer de maneira altamente não planejada e episódica. Como Jackson (1954) afirmou a respeito do marido que bebe, agentes externos podem ser atraídos para uma situação com base numa emergência (por exemplo, um pedido por proteção policial), e então através de contatos regulares com agências sociais, médicos e até Alcoólicos Anônimos. Em outras situações, as partes do problema ou seus aliados buscam solucionadores oficiais específicos por causa de sua expertise ou de sua neutralidade, como quando um casal decide levar seus problemas a um conselheiro matrimonial.

Usualmente, os primeiros agentes oficiais a serem envolvidos são “generalistas”, incluindo a polícia (Cumming, Cumming and Edel, 1965; Parnas, 1967), médicos familiares (Freidson, 1961, 1970) e ministros religiosos (Cumming e Harrington, 1963; Weiss, 1973). A preferência inicial por esses solucionadores reflete uma variedade de fatores. Tais agentes se encontram relativamente disponíveis a reclamantes leigos e suas orientações são similares àquelas que os leigos já sabem (Freidson, 1961): a generalidade e o potencial inclusivo de seus mandatos ocupacionais atraem aqueles buscando por remediações para problemas relacionais.

Até mesmo a escolha inicial do solucionador pode se provar altamente importante para o problema, uma vez que a seleção de um solucionador particular pode impor de antemão uma definição a um problema previamente aberto ou contestado. Além disso, essa seleção pode expor as diferenças entre as partes do problema como irreconciliáveis. Sugerir que o cônjuge veja um psiquiatra, por exemplo, pode suscitar discordâncias outrora latentes. A remediação proferida exacerba o problema anterior: “Você quer que eu vá a um psiquiatra! Você acha que eu que sou maluca?”

Ademais, os efeitos da escolha inicial de um solucionador podem ser importantes, mesmo que não necessariamente irreversíveis, na determinação de como, onde e se um problema entra em redes de referência subsequentes. Quando um problema resistiu esforços remediais, ou quanto parece que este seria melhor administrado em outro lugar, solucionadores iniciais tendem a passar problemas intratáveis para outros novos, mais especializados. Assim como na noção de “circuito de agentes” de Goffman (1961), problemas podem ser passados de um agente para o outro, talvez se movendo em direção a maiores graus de especialização, talvez em direção a resultados mais punitivos e coercitivos.

Ao passar por um circuito de solucionadores, qualquer problema inicialmente ambíguo tende a se cristalizar, na medida em que novos meios e caminhos para se lidar com ele são buscados e implementados, e caminhos anteriores são definidos como ineficazes e subsequentemente rejeitados. Nesse processo, um indivíduo pode receber definitivamente o papel do criador do problema e pode ser identificado explicitamente como desviante. A medida que remediações de grande escopo para desviantes são experimentados e falham, o criador do problema pode ser referido a especialistas de outras áreas de desvio, e assim a natureza de seu problema passa por reinterpretações, enquanto são implementados novos meios de se eliminar, reduzir ou confinar a capacidade de criar problema.

É importante entender como a intervenção externa transforma radicalmente o que anteriormente eram problemas privados, uma vez que essa transformação mostra claramente a natureza negociada (em vez de intrínseca) dos problemas. Se a princípio desacordos sobre a natureza do problema e de como remediá-lo estavam confinadas às (e sob controle das) partes iniciais, o envolvimento de uma terceira parte reconstitui o problema enquanto fenômeno notadamente público. Como aponta Gulliver (1969:14) a respeito dos processos de acordo em disputas, “o desacordo inicial (é levado) do nível de um argumento diádico para a arena pública.” Com a passagem para uma situação triádica, a díade original não pode mais orientar-se exclusivamente um para o outro. Em vez disso, cada um deve buscar e ter o cuidado de apresentar seu lado para a terceira parte. No processo, suposições, reivindicações e expectativas previamente tomadas como dadas terão que ser proclamadas abertamente e justificadas. Para além disso, na medida em que o solucionador mantém padrões para pesar reivindicações relacionais divergentes daquelas feitas pelas partes originais, novas bases para direitos e responsabilidades afirmadas deverão ser fornecidas. Reivindicações tácitas e condutas tratadas como idiossincrasias do relacionamento, por exemplo, podem passar a exigir explicações e justificativas em termos mais universais; de fato, as partes podem aprender, para sua surpresa ou desalento, que alguns comportamentos nos quais fundaram sua reivindicação enquanto pessoas com problema são vistos pelos outros como “normais” ou até “desejáveis.”

Levar um problema para uma parte externa pode desvelar a primeira ocasião para que o problema seja visto como um todo coerente, e para que uma história explicita do problema possa ser formulada. Enquanto indivíduos com problemas tentam ter suas reivindicações validadas por uma terceira parte recentemente envolvida, comportamentos, questões e situações anteriores podem ser reinterpretadas e organizadas dentro de incidentes posteriores no problema, enquanto outros podem ser enquadrados enquanto remediações tentadas. Assim, a necessidade de prestar contas por ações passadas e de justificar respostas remediais desejadas para a terceira parte pode gerar histórias de origem, causas e persistências do problema mais minuciosamente documentadas, junto de acusações de transgressão novas e estendidas. Finalmente, a intervenção externa afeta diretamente tanto as circunstâncias remediais quanto a dimensão “definicional” do problema. Ao propor ações remediais, as preocupações e reações da terceira parte agora devem ser antecipadas e atendidas, pois, esses fatores assumem papeis cruciais na definição e no tratamento do problema. Se solucionadores oficiais estão envolvidos, o problema pode vir a ser tratado como um “caso”, acumulando uma história oficial distinta enquanto se move pelo sistema de referências. Conjuntos distintos de preocupações remediais podem se tornar salientes e soluções não desejadas por nenhum dos disputantes envolvidos podem vir a serem impostas.

Em suma, a tentativa de obter e dar forma ao curso da intervenção pode levar a clarificação e especificação progressivas da natureza e gravidade do problema. Mais concretamente, o que é feito a respeito de reclamações externas – em particular, quando e como o solucionador intervém, se isso ocorre – define e organiza o problema. A intervenção, assim, pode moldar fundamentalmente o que problema se tornará. Para ressaltar o significado teórico desses processos, consideraremos agora as questões que o problema coloca ao solucionador no momento da intervenção inicial.

Lidando com reclamações: contingências ao intervir

Para um solucionador externo, problemas trazem questões de alinhamento: o solucionador deve decidir qual postura tomar diante das partes e das questões. Como enfatiza Aubert (1965), solucionadores podem assumir duas posturas gerais: responder ao problema como um conflito ou como um desvio. Respondendo o problema como um conflito, o solucionador adota uma postura de não-alinhamento, seja através da recusa de compromisso com algum dos lados, seja através do compromisso igual para com os dois. No primeiro, o solucionador se recusa a intervir. No segundo, o solucionador pode tentar se envolver igualmente com as duas partes tentando mediar um acordo. A polícia, por exemplo, rotineiramente atende chamadas relativas a violência familiar através da mediação entre marido e mulher como meio de prover uma solução imediata, mesmo que temporária (Parnas, 1967: 932-3). Ao adotar o papel de mediador, o solucionador trata o problema como uma disputa ou conflito, no qual a intervenção é simétrica (Aubert, 1965:18) com relação às posições e reivindicações das duas partes.

Em contraste, ao responder aos problemas como desvios, o solucionador confronta a questão do alinhamento diretamente, orientando-se para a reclamação e para o problema em termos de qual lado tomar. Em circunstâncias especiais, a polícia abrirá mão de mediar disputas domésticas e responderá abertamente no lado de uma das partes, por exemplo, ao prender e remover da residência um marido agressor (Parnas, 1967). Com intervenções unilaterais desse tipo, o problema é estabelecido não como conflito, mas como desvio, e o centro disputativo e relacional do problema é dissolvido com a alocação assimétrica de toda a transgressão em uma das partes (agora desviante) e toda a certeza na outra (agora vítima).

Há uma variedade de fatores que determinam a possibilidade de uma intervenção simétrica ou assimétrica. Em primeiro lugar, no nível estrutural, a asserção de certos tipos de direitos e reivindicações pode ser proscrita legalmente, como quando a lei criminal nega o direito legítimo de greve aos trabalhadores, ou o direito legítimo de matar ou roubar um inimigo a algum disputante. Tal negação de legitimidade para a asserção de reivindicações particulares claramente prescreve intervenção unilateral contra o reivindicador ilegítimo.

Em segundo lugar, solucionador frequentemente operam com alguma teoria do problema e com ideologias intervencionais que exigem respostas simétricas ou assimétricas. As suposições da lei criminal, por exemplo, encorajam julgamentos absolutos na alocação da culpa, e seus agentes tipicamente administram sanções unilaterais contra o transgressor. A medicalização de problemas, localizando a fonte do problema em alguma disfunção fisiológica dentro do indivíduo, promove similarmente soluções assimétricas. Finalmente, aqueles que lidam com instâncias de abuso infantil estão pré-comprometidos a ideologia da transgressão e procedem para determinar se há ou não um perpetrador. Em contraste, alguns solucionadores operam com teorias remediais que facilitam ou até exigem que estes não escolham lados. Conselheiros matrimoniais frequentemente empregam uma ideologia terapêutica para afastar julgamentos de certo ou errado, adotando uma postura uniformemente neutra e de “não culpa” diante dos problemas. Qualquer problema deve ser tratado como questão relacional, mesmo que o conselheiro conclua para si mesmo que uma das partes tem mais culpa.

Em terceiro lugar, a forma de intervenção é afetada pelo poder do solucionador em relação ao poder das partes originais do problema. A intervenção de terceiras partes cuja autoridade é dependente do suporte ou do acordo dos partícipes do problema tende a assumir formas simétricas.[5] Solucionadores pessoais (amigos, parentes) podem escolher lados, mas normalmente não podem impor suas soluções contra a resistência do outro. Assim, soluções pessoais tendem a ser um ato de mediação: a terceira parte deve negociar um acordo mutuamente aceitável apoiando-se em recursos e sanções pessoais. Em contraste, muitos solucionadores oficiais possuem o poder de impor soluções unilaterais através de decisões adjudicadas (Eckhoff, 1966) mesmo na face da oposição de um ou outro lado. Quando esforços mediadores se mostram insatisfatórios, um lado ou outro pode vir a buscar intervenção oficial para obter exatamente o tipo de resultado forçado para uma situação intratável.

A natureza da intervenção externa também é fundamentalmente moldada por fatores situacionais contingentes. Problemas moverão em direção a resultados assimétricos na medida em que uma ou duas partes são resistentes ao comprometimento e tem reservas de poder e recursos para suportar essa posição. Solucionadores podem vir a ser buscador como mediadores, como quando um casal concorda em levar seus problemas matrimoniais para um conselheiro matrimonial. Em outras ocasiões, uma ou outra parte podem vir a buscar intervenção diretamente para seu lado. O resultado é frequentemente buscado através de acusações direcionadas a transgressão do outro, formulando assim o problema tão unilateralmente quanto possível, visando ganhar assim a intervenção desejada. Quando a acusação de uma das partes é feita de uma posição de grande poder, a possibilidade de intervenção unilateral nos termos dessa pessoa aumenta.

A reclamação para uma terceira parte, seja na forma de acusação ou de pedido por medicação, marca somente o ponto de partida de uma possível intervenção. Reclamações estão sujeitas ao escrutínio e possível revisão da parte dos solucionadores, que procedem com alguma noção de que as alegações podem ser distorcidas ou falsas, que a alocação de culpa e responsabilidade proposta pode ser enganadora ou inválida, que a ação remediadora buscada pode ser exploradora, subversiva ou ilegítima. Diante dessas possibilidades, o solucionador pode vir a implementar estratégias remediais não relacionadas às propostas iniciais. Assim, o solucionador pode recusar a escolha de qualquer lado quando um ou as duas partes buscam intervenção. Um oficial probatório num tribunal juvenil pode responder às alegações de que um adolescente está se comportando mau deliberadamente e que está “fora de controle”, acalmando os pais acusadores. Um solucionador pode vir a tomar um lado num problema para o qual foi trazido com o fim de mediação neutra. Um solucionador pode vir a responder inicialmente dentro de um enquadramento específico para o problema, mas acabar redefinindo o problema (por exemplo, diferenças entre pais e filhos refletindo “falta de comunicação”), ou, em relação a reclamações acusatórias, reverter a alocação propostas para os papeis de vítima e transgressor. O paciente mental de Goffman que “pensou que estava levando sua esposa para o psiquiatra” (1961: 138) nos dá um exemplo clássico dessa última possibilidade.

Essas considerações destacam a importância de como a direção e os termos da intervenção do solucionador podem determinar o que o problema vem a ser. Mesmo onde a intervenção do solucionador é moldada pelas ações de uma ou das duas partes no problema, até o ponto em que a remediação implementada acaba por ratificar meramente aquilo que já havia sido proposto, em termos analíticos, é a natureza e direção da intervenção externa, particularmente quando aplicada autoritariamente, que determina o que o problema é. Isso não significa dizer que os solucionadores podem intervir livremente. A intervenção pode estar firmemente constrita pela necessidade de levar em consideração a história, as posições, o poder e as preocupações prévias das partes do problema, pelos ditames da ideologia institucional e profissional do solucionador e por fatores práticas institucionais e situacionais. Qualquer intervenção de um solucionador pode ser radicalmente suplantada e revisada por uma intervenção subsequente (apesar de que se torna cada vez mais complicado alcançar tal feito com tranquilidade a medida em que o problema acumula uma história documentada). Mesmo assim, é a natureza e a direção da intervenção externa, particularmente quando realizada por oficiais, que produz as formas de alinhamento distintivas do desvio e do conflito, e que em última instância constitui o problema enquanto uma forma ou outra.

Os processos de intervenção que fornecem a chave para a consolidação de problemas não envolvem simplesmente a definição da situação enquanto carente de equilíbrio ou de tratamento unilateral e a resposta adequada subsequente. Respostas de alinhamento da terceira parte podem proceder de acordo com sua própria lógica e dinâmica, entrando por vezes em atrito com as definições de um problema como desvio ou como conflito. Ideologias profissionais podem prescrever um conjunto prévio de respostas para todos os problemas sem levar em consideração as particularidades de um caso dado, como quando conselheiros matrimoniais respondem relacionalmente para todo e qualquer problema conjugal. Porém, preocupações pragmáticas e situacionais podem levar a intervenção a tomar direções que não poderiam ser previstas tendo como base a avaliação do solucionador de certas instâncias de transgressão. Aqueles compromissados com tratamentos relacionais podem se encontrar empacados com esforços para arranjar uma solução mutuamente aceitável, e podem acabar tendo que apelar para respostas unilaterais por conveniência prática. Assim, trabalhadores na saúde mental podem encontrar uma situação em que eles claramente avaliam as duas partes como psiquiatricamente conturbados, mas acabar hospitalizando somente um ao decidir que a situação é muito volátil para permanecer a mesma (Emerson e Pollner, 1976). Por outro lado, solucionadores podem responder de maneira equilibrada, mesmo reconhecendo uma distribuição desigual de retidão e transgressão entre as partes (por exemplo, Bittner sobre a manutenção da paz pela polícia, 1967). Solucionadores podem até intervir em nome da parte vista como errada, se essa resposta prometer um fim permanente ao problema (ver, por exemplo, análise de Bittner sobre o tratamento do caso “Big Jim” pela polícia, 1967:709-10). Essas instâncias destacam como formas particulares de problema, incluindo desvio e conflito, são produzidas de maneira procedural pelas respostas de solucionadores, e não simplesmente pelas suas definições do problema.

Em direção a uma sociologia do problema

Em conclusão, gostaríamos de explorar algumas implicações da micropolítica do problema proposta aqui para abordagens interacionais prevalecentes no estudo do desvio. Primeiro, muitas dessas abordagens focam-se na produção dos desviantes em estágios tardios. Frequentemente, aqueles que sofreram alguma sanção enorme, talvez irrevogável, como internação institucional, são identificados como a população tema. Tal sancionamento e internação dão um “ponto final” (que mais tarde pode vir a se revelar como “estágio”, é claro) para tratar um ator enquanto tipo particular de desviante, e atividades e eventos passados são ordenados como coisas que levaram até esse “ponto final”. Entretanto, tais tipos de noção de carreiras desviantes frequentemente organizam eventos de maneiras estranhas aquelas prevalecentes outrora, quando os resultados eram dúbios e as definições eram ambíguas. Mais ainda, essas abordagens focam nos casos que chegaram numa eventual designação desviante, negligenciado aquelas que falharam em fazê-lo. Se não forem negligenciadas de início, tais casos são tratados em termos dessa falha; por que eles não conseguiram? Nesse sentido, modelos de carreiras desviantes tanto pressupõe quanto exigem resultados desviantes. Em contraste, o conceito de “problema” direciona a atenção, não para as fases iniciais das carreiras desviantes, mas para situações e cenários não- ou “pré-desviantes” em geral. Além disso, a ideia de problema continua a abrir a possibilidade de que vários problemas com potencialidade desviante podem “dar em nada”, ou dar em alguma coisa sem imputações de desvio, ou tornar-se uma das várias categorias possíveis de desvio. Dessa maneira, o problema compreende e incorpora a abertura e a indeterminação dos resultados desviantes, em parte através do abandono da centralidade da noção de desvio ela mesma.

Em segundo lugar, a micropolítica do problema aponta para o aprofundamento da imagética básica da designação desviante. É axiomático para abordagem do rótulo que desviantes são produtos da definição social; definição que tipicamente envolve a imputação de uma identidade imoral e de um status defectivo. Douglas, por exemplo, vê o desvio como produto da negociação de “significados morais” (1971), e Katz (1972:192) conceitua o desvio como assinalamento de status moral ou ontológico defectivo. Entretanto, um foco exclusivo em “significados” corre o risco de ser unilateral. Esse artigo tem argumentado que a definição pode moldar e ser moldada pela resposta; especificamente, a definição desviante é produto dos esforços remediais[6] envolvendo componentes interpretativos e ativos que podem variar independente uns dos outros. Um desviante deve ser entendido não somente como alguém que é moralmente condenado, mas também como alguém contra outrem se coloca. E, enquanto em algumas ocasiões a condenação moral parece preceder e causar o posicionamento “contra”, ser colocado como alguém “contra” quem se escolhe um lado, gera o opróbrio moral subsequente por parte dos outros.

Em terceiro lugar, nossa abordagem enfatiza um ponto pouco explicitado em muitos estudos e que passa despercebido para muitos críticos da rotulação: ações direcionadas para outro (ou para si mesmo) enquanto “desviante” estão pesadamente contingenciadas a, embora não totalmente determinadas pelos, quadros de referência e recursos dos reclamantes, vítimas e solucionadores oficiais, quando esses estão envolvidos.[7] A “abordagem da rotulação”, quanto construída apropriadamente, não afirma que as atividades de desviantes são desconsideradas pelos reclamantes, vítimas ou oficiais, nem recomenda que analistas desconsiderem essas atividades. Ela propõe, na verdade, que analistas explicitamente levem em conta e tentem esclarecer os papeis de reclamantes, vítimas e oficiais ao determinar definições e ações, e redefinições e ações seguintes. Nós pensamos que as atividades dos reclamantes, vítimas e solucionadores são concebidas apropriadamente como influências variáveis nos resultados temporários e duradouros. As condições dessa variação devem ser um tópico importante para pesquisa e teorização.

Tal consideração leva a uma implicação final dessa abordagem. Embora nosso artigo tenha focado nos processos interacionais e micro-políticos, nós reconhecemos e até insistimos que uma sociologia do problema totalmente desenvolvida deveria considerar a macropolítica. Essa macropolítica do problema se interessaria pelas maneiras que interesses econômicos, políticos e sociais mais amplos moldam quadros de referências e remediações institucionalizadas disponíveis para identificar e lidar com problemas. Tendências sociais de longo prazo como a formação de estados e a centralização do poder estatal, a passagem do mercantilismo para o capitalismo industrial e do laissez faire para o capitalismo corporativo, e o espraiamento de formas burocráticas de organização parecem ter implicações enormes para interpretações e para respostas a problemas. Pode-se argumentar que a formação de estados e a centralização de seu poder impossibilitou formas de punição como o banimento e a transportação e motivou o estabelecimento de prisões (ver Langbein, 1976); que a emergência de uma economia de mercado no trabalho ajudou a motivar a diferenciação de categorias específicas de desviantes e que o estado de bem-estar está encorajando “descarcerização” (ver Hall, 1952); ou, finalmente, que instituições remediais na forma de burocracias trabalham sem cessar para influenciar como certas atividades, por exemplo, a posse de maconha, são tratadas e entendidas (ver Dickson, 1973).

Esse não é o lugar, mesmo se pudéssemos, para enumerar essas questões. Ressaltamos fortemente que o desenvolvimento de uma “micro”-política do problema não deveria redundar na conclusão de que desenvolver uma “macro”-política do problema é desimportante; nós pensamos que ambas necessitam ser desenvolvidas e suas relações examinadas. Nossa abordagem sugere que, em adição a exploração de como forças mais amplas podem afetar atividades individuais e de grupo que podem vir a ser tratadas como desviantes, uma macropolítica do desvio deveria explorar em detalhe como ações e entendimentos sobre essas atividades são afetadas.

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Notas:

[1] No original, complainant. N. do. T

[2] No original, troubleshooter. N. do T.

[3] No original, troublemaker. Optamos por uma tradução mais literal, em vez de usar termos coloquiais como “encrenqueiro”, ou menos precisos como “problemático”. N. do T.

[4] Muitos agentes remediadores esperam que papeis de vítima e reclamantes sejam performadas pela mesma pessoa e, mesmo que isso não seja inevitavelmente claro, reclamantes “desinteressados” devem prestar contas sobre seu envolvimento. O ponto mais geral aqui é que vítima e reclamante não-vítima podem encontrar problemas de apresentação diferentes para ter suas reclamações validadas. Além disso, reclamações podem ser avançadas e intervenções implementadas, sem alocação do papel de vítima e de transgressor. Remediações envolvendo mediação, a serem consideradas abaixo, ou evitam esses papeis, ou atribuem parte de cada um para cada parte.

[5] Intervenção simétrica de tipo mediador tende a ser característica de processos legais em sociedades tribais e tradicionais, pois agentes legais geralmente não tem qualquer autoridade. Estudos antropológicos de disputas e acordos de disputa (i.e., Nader, 1965: Gulliver, 1969) fornecem uma fonte rica de materiais sobre esses processos.

[6] Ver também a proposta específica de Fletcher et al (1974:59) de mudar o foco conceitual para “comportamento referencial em vez de comportamento nomeador” como o processo chave na “rotulação” de doenças mentais.

[7] A diferença que a presença e preferências dos reclamantes faz foi documentada pelo trabalho de Donald J. Black e Albert J. Reiss Jr. (1970), embora não tenha sido desenvolvida alguma teoria sobre o assunto. Muitos trabalhos em “vitimologia” também levantam implicitamente várias questões relevantes, mas tanta atenção foi dada para a luz que vítimas podem lançar em “números escuros”, e o papel variável das vítimas em “causar” desvio, que essas questões permaneceram sem resposta. Uma quantidade considerável de trabalho na tradição de rotulação tem se focado, é claro, no papel dos solucionadores oficiais.

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