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“Talcott Parsons”, por Frédéric Vandenberghe

Da Série Verbetes

p0102

Por Frédéric Vandenberghe

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O sistema de conceitos analíticos de Talcott Parsons (1902-1979), o grande teórico do funcionalismo norte-americano, dominou por vinte ou trinta anos o campo sociológico mundial do pós-guerra. Teórico incurável, ele desenvolveu, no mais alto grau de abstração e com uma precisão analítica inigualável, um quadro de análise englobante acerca do sistema social que integra sistematicamente a filosofia das ciências de Whitehead, a teoria do consenso de Durkheim, a teoria da ação de Max Weber, a psicanálise de Freud e o funcionalismo de Malinowski, tudo isso no seio de uma teoria geral que pretende unificar as ciências sociais (a economia, a ciência política, a antropologia, a sociologia e a psicologia social). À medida que desenvolvia progressivamente sua teoria unificada das ciências humanas, ele realizava também pesquisas mais empíricas (reunidas em sete volumes) sobre temas mais específicos, tais como as profissões modernas, as organizações, a educação, a estratificação, as famílias, a saúde mental, o papel do doente, a cultura da contestação, o desvio, a democratização, o direito, a burocracia, a secularização e a ciência, os quais ele se esforçava a integrar, em seguida, numa teoria comparativa da modernização. Cada vez mais contestado em fins dos anos sessenta pela nova esquerda, que recusava o seu funcionalismo em razão de seu conservadorismo, consensualismo, idealismo, positivismo, evolucionismo, americanismo, etc., ele influenciou significativamente todas as grandes teorias sociológicas do pós-guerra (Garfinkel, Collins e Alexander nos Estados Unidos; Lockwood, Giddens e Mouzelis na Inglaterra; Luhmann, Habermas e Münch na Alemanha; Touraine e Bourricaud na França).

Ao perseguir seu projeto de unificação e integração das ciências sociais em uma teoria geral da ação, na qual a teoria sociológica não representa senão um segmento, Parsons propôs três sínteses teóricas (teoria da ação, estrutural-funcionalismo, teoria dos sistemas).

1. Teoria voluntarista da ação. Em 1937, Parsons publica The Structure of Social Action. A partir de uma leitura de Max Weber, Durkheim, Pareto e Marshall, ele propõe a teoria voluntarista da ação como primeira síntese teórica. Contra o utilitarismo e o behaviorismo, que reduzem a ação a um comportamento determinado pelas constrições materiais do meio, ele insiste com os idealistas sobre a importância dos valores e das normas, visto que sem elas a ordem social se tornaria inconcebível e a sociedade degeneraria necessariamente em uma ‘luta de todos contra todos’ (Hobbes). Na conclusão do livro, ele propõe o quadro de análise de base que define os princípios e os elementos necessários da ação. A ideia central é que a ação forma um sistema composto dos seguintes elementos: um ator hipotético; um fim, entendido como um estado por vir que o ator se esforça em realizar; uma situação da ação que compreende, simultaneamente, elementos que escapam ao controle do ator e que condicionam sua ação, e elementos que ele pode controlar e manipular enquanto meios em vista de realizar seus fins; e, enfim, uma orientação normativa que determina em parte os fins e que impõe restrições normativas à escolha dos meios. Dito de outro modo, se pretendemos escapar ao determinismo e ao idealismo, faz-se imperativo sempre analisar a ação de uma maneira multidimensional, como um sistema conceitual composto de um ator que toma decisões subjetivas concernentes aos meios em vista de um fim em uma situação de ação determinada tanto por ideias, valores e normas, como por condições materiais.

2. Estrutural-funcionalismo. A transição para o funcionalismo estrutural é levada a cabo em The Social System e Toward a General Theory of Action, ambos publicados em 1952. Passando da análise da ação à interação, o professor de Harvard abandona o ponto de vista do ator para analisar não mais os elementos da ação, mas os elementos do sistema de interação, a ação sendo agora compreendida a partir dos papéis que os atores desempenham na sociedade e que os permitem coordenar suas ações. A ideia central é que as escolhas dos atores são normativamente reguladas por valores comuns que eles internalizam (Freud) no decurso de sua socialização (Durkheim). A inovação maior consiste na introdução de três sistemas integrados: o sistema de personalidade, o sistema social e o sistema cultural, este último recobrindo o todo e sendo compreendido como um conjunto de valores de orientação axiológica que determina as decisões que estruturam a situação e regulam as interações. As famosas ‘variáveis de configuração’ (pattern variables) fazem parte do sistema cultural. Elas controlam as normas do sistema social e as decisões do sistema de personalidade. Parsons formaliza as variáveis de configuração em uma combinatória contendo quatro pares de variáveis (a saber, particularismo vs. universalismo, afetividade vs. neutralidade, difusão vs. especificidade, atribuição vs. performance), as quais representam uma escolha que os atores devem previamente fazer de modo a definir a situação e poderem agir em comum. Não demoramos em perceber que as variáveis de configuração são uma explicitação da oposição que Tönnies estabelece entre a comunidade e a sociedade. O particularismo, a afetividade, a difusão e a atribuição são as opções típicas das relações comunitárias (por exemplo, as relações familiares ou de vizinhança) enquanto o universalismo, a neutralidade afetiva, a especificidade e a performance caracterizam as relações societárias (por exemplo, as relações profissionais entre médico e paciente).

3. A teoria dos sistemas (AGIL). Após uma pesquisa sobre a organização de grupos com Robert Bales, Parsons irá introduzir o sistema de comportamento como quarto subsistema de ação. A partir dos anos sessenta, cada sistema e subsistema será analisado e decomposto em termos de quatro funções elementares as quais ele deverá necessariamente preencher para sua sobrevivência. Cruzando duas dimensões (orientação externa ou interna + consumatória ou instrumental da ação, referindo-se respectivamente aos fins e aos meios), Parsons distingue quatro funções que representam pré-requisitos funcionais ao sistema de ação: Adaptation (eficácia econômica por meio da exploração bem-sucedida do meio – orientação externa do sistema, instrumental), Goal achievement (eficácia administrativa pela busca exitosa dos fins – orientação externa do sistema, consumatória), Integration (integração do sistema e coordenação das ações por fidelidade às normas – orientação interna, consumatória), Latent Pattern Maintenance (canalização de motivações e redução de tensões por fidelidade aos valores fundamentais de uma sociedade – orientação interna e instrumental). Uma vez que o arranjo das funções venha a ser formalizado segundo o paradigma AGIL, remetendo as quatro funções supracitadas, a análise funcional dos sistemas se transforma num exercício taxonômico de classificação complexo e bastante complicado (com distinções entre sucessivos níveis de análise imbricados por englobamentos [emboîtement], cf. Parsons, 1961).

Em um primeiro momento, a análise geral das funções do sistema de ação assume a forma de uma análise de funções e de subsistemas. Cada sistema de ação contém quatro sistemas, os quais contêm por sua vez quatro outros subsistemas. Assim, o próprio sistema social é composto de subsistemas que asseguram, respectivamente, a adaptação ao mundo físico (a economia), a gestão de recursos necessários para a consecução de fins (a política), a coordenação das ações e a gestão de conflitos (as instituições de controle social) e a manutenção do equilíbrio (as instâncias de socialização).

Em um segundo momento, Parsons analisa as relações de troca entre os subsistemas e, inspirado pela cibernética, as ordena num esquema hierárquico onde o sistema cultural controla o sistema social que controla o sistema de personalidade que controla o organismo que fornece a energia necessária aos sistemas superiores. Ele estuda as trocas sistêmicas entre os sistemas que compõem o sistema de ação, assim como no interior de cada um desses sistemas em termos de entradas e saídas (inputoutput). Essas trocas intra e inter-sistêmicas são efetuadas através de ‘meios simbólicos generalizados’. Em colaboração com Neil Smelser, Parsons reservou a análise das trocas inter-sistêmicas aos subsistemas do sistema social (a economia, a política, o sistema de socialização e a comunidade social). Para esse fim, ele estudou os meios simbólicos do dinheiro, do poder, da influência e do engajamento – os outros 60 meios que seu esquema propõe foram deixados de lado.

Em um terceiro momento, Parsons aplica o esquema AGIL à história universal. Em The Evolution of Societies (1977), que combina dois textos previamente publicados sobre as sociedades primitivas, tradicionais e modernas, ele distingue quatro dimensões no processo de evolução humana e social – a capacidade de adaptação generalizada (A), a diferenciação estrutural (G), a inclusão (I) e a generalização de valores (L) – e estuda, em detalhe, os efeitos das três revoluções – a revolução industrial (A), a revolução democrática (G) e a revolução educacional (I,L) que marcam o advento da modernidade. Nessa perspectiva evolucionista, uma sociedade progride na medida em que ela se diferencia de forma crescente (diferenciação progressiva dos sistemas de personalidade, sociais, culturais e orgânicos; diferenciação de funções no interior de cada um dos sistemas) e inventa novas modalidades de integração (o direito) para resolver os problemas de coordenação dos elementos que a compõem. A ideia central é que a diferenciação e a integração crescentes permitem a uma sociedade melhor se adaptar a seu meio.

Num último momento, Parsons introduz considerações de cunho mais metafísico e religioso em seu sistema ao envolver toda a sua análise do sistema de ação em um sistema mais englobante – o ‘sistema télico das potencialidades humanas’. Em 1979, na ocasião de uma conferência na Alemanha, organizada em sua homenagem e na qual participaram Jürgen Habermas, Niklas Luhmann e Richard Münch, falece o sociólogo mais influente do pós-guerra em decorrência de uma crise cardíaca.

Referências bibliográficas

Parsons, T. (1937): The Structure of Social Action. Glencoe: Free Press.

Parsons, T. (1951): The Social System. Glencoe: Free Press.

Parsons, T. (1961): “An Outline of the Social System,” pp. 30-84 in Parsons, T. et al.: Theories of Society, Vol.1, pp. 30-84. New York: Free Press.

Parsons, T. (1977): The Evolution of Societies. Englewood Cliffs: Prentice Hall.

Rocher, G. (1972): Talcott Parsons et la sociologie américaine. Paris : PUF.

Hamilton, D. (ed., 1992): Talcott Parsons. Critical Assessments, 4 vols. Londres: Routledge.

4 comentários em ““Talcott Parsons”, por Frédéric Vandenberghe

  1. Ana Beatriz

    Artigo estimulante e encorajador!

  2. Tâmara de Oliveira

    Il faut le dire: il était fou, ce mec!

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